Após muitos anos ouvindo que mulher diabética não podia ser mãe resolvi assumir os riscos. Até porque viver implica nisso e nada nesta vida tem a garantia de que dará certo.

Sempre tive um acompanhamento muito próximo com os médicos de diversas áreas (sim! A Bete demanda endócrino, dentista, oftalmologista, vascular, ortopedista, cardiologista, dermatologista, ginecologista, nefrologista…),  esta legião de especialidades sempre cuidaram da minha saúde e aos 36 anos resolvi consultar um médico referência em medicina fetal para saber se poderia engravidar. E para minha surpresa já estava grávida de 8 semanas!!!!

Não sei descrever o meu sentimento: acredito que uma mistura de receio e alegria.

Depois de 24 semanas, muitos ultrassons, morfológicos e inúmeros exames, recebemos a notícia de que o Gui (meu filho se chamaria Guilherme) tinha uma má formação em seu coraçãozinho, chamada hipoplasia do ventrículo direito. Lembro-me como se fosse hoje: exame realizado na própria clínica do médico responsável por acompanhar a gestação, era quinta feira, dia em que  ele não trabalhava. Saí da sala de mãos dadas com a minha mãe, eu desesperada e ela, contendo o baque para amenizar a minha dor… e lá estava ele, sentando me aguardando com um semblante de quem sabia que algo estava errado: fui até o médico pronta para um abraço e só ouvi: “volte na segunda que conversamos”.

O que era desespero se tornou algo insuportável. Eu tinha feito algo com o meu filho por conta da Bete?  Quanta irresponsabilidade a minha! O que seria de mim? Do Gui? Ainda bem que minha mãe estava ao meu lado, me confortando neste doloroso momento.

Saímos de lá direto para o “Doctor Google” procurando explicações para algo que ninguém tinha esclarecido. A doença era grave, pois o ventrículo direito do coração não tinha se desenvolvido adequadamente.

Consultamos as melhores equipes de São Paulo que cuidavam do tema e recebemos uma atenção mais que especial do Dr. Renato Assad que nos acolheu e nos encheu de esperanças de que poderíamos ter um final feliz. Ouvimos também o Dr. Marcelo Jatene que explicou a grandiosidade do problema e o que poderia ser feito. Neste ínterim, na transição de médicos, afinal aquele que acompanhava me deixou órfã no exato momento em que pronunciou aquela  frase: “volte na segunda que conversamos”, fui internada sem líquido na bolsa com 28 semanas, ao fazer um ultrassom numa maternidade daqui de São Paulo. Fiz uma infusão de líquidos, inchei 10 quilos em 3 dias e após todo o esforço médico e meu, um novo problema foi detectado no coraçãozinho do Gui, agora na válvula tricúspide.

Decidi rezar e pedir a Deus que fizesse o que fosse melhor para o Gui. Se fosse para ele nascer para sofrer que eu sofresse sozinha, me apegando naquela ideia que temos como mãe de que se tivéssemos o controle da vida dos nossos filhos os pouparíamos de tudo através da nossa simples vontade.

As 6hs da manhã a enfermeira entrou para o exame de cardiotoco (não lembro bem se este ê o nome certo) e já não havia mais batimentos cardíacos.

Pelo peso do Gui fiz uma cesárea. O momento que toda grávida sonha é ouvir o choro do seu filho ao sair da sua barriga, mas nesta ocasião, o que esperava ser uma experiência de plena felicidade tornou-se um pesadelo, pois o Gui saiu de mim, morto.

De lá fui direto para a UTI, onde fiquei quase 4 dias. Meu pai, meu marido e meu tio tiveram a árdua tarefa de seguir com toda papelada para o enterro dele, dentro da mais dura passagem da minha vida.

Um ano de uma dor indescritível, de luto. Algumas passagens durante este tempo mostraram que eu não era a única que vivenciava esta amarga, triste experiência…não era a primeira e infelizmente não seria a última. Coisas assim acontecem muito mais do que imaginamos.

Além disso, lembrar do que os médicos disseram ser uma fatalidade, ou seja, não tinha sido minha culpa até porque estava com a Bete super controlada, e o fato de continuar tomando uma medicação não indicada para períodos gestacionais…. de alguma forma era um incentivo para superar tudo isso e tentar  outra vez.

Depois de sofrer com o luto decidi retomar minha vida ao lado de quem escolhi para meu marido, amigo, companheiro e pai dos meus filhos.

Assim decidimos tentar, mais uma vez, o tão desejado sonho de sermos pais, conscientes do risco que a Bete representaria novamente nesta tentativa. Engravidei outra vez, e o processo de acompanhamento da gestação era uma mescla de sentimentos, pois revivia os percalços da gravidez do Gui, mas, em contrapartida, a expectativa de que, dessa vez, tudo daria certo.

Tive placenta prévia, o repouso era necessário. Alguns episódios de sangramento e com 33 semanas fui internada no Einstein para um acompanhamento mais próximo das duas, eu e ela! E após 34 semanas, exatamente no dia 22 de janeiro de 2016, Maria Eduarda, nossa doce Duda decidiu nascer, com 2kg750 e 44 cm. Confesso que meu coração só sossegou quando finalmente eu ouvi nossa princesa chorar pela primeira vez, transformando as lembranças angustiantes de um parto que não deu certo, na certeza da realização de um sonho!

Após pouco mais de um ano engravidei novamente. Tudo estava controlado, corpo e mente, e a Bete também parecia já mais preparada para esta segunda gestação. Após 36 semanas, no dia 14 de abril de 2016, chegou a nossa “Ferinha” Malu, com 4kg100 e 51 cm, trazendo mais tempero e completando nossa família.

Disso tudo creio que a superação do luto e do receio de ter a Bete presente nas gestações foram essenciais para que o meu sonho de ser mãe se concretizasse. Nesta escolha tive ainda mais consciência de que encarando-a como amiga, tudo se torna mais fácil,  independente das adversidades que possam surgir por conta dela.